domingo, 18 de novembro de 2012

Em entrevista a jornal da Espanha, Dilma critica soluções europeias para crise

A presidente Dilma Rousseff afirmou ao jornal espanhol El País que o problema da Europa é a aplicação de "soluções inadequadas para a crise"

Agência Estado |
  • Agência Estado
A presidente Dilma Rousseff afirmou ao jornal espanhol El País que o problema da Europa é a aplicação de "soluções inadequadas para a crise", cujo resultado será um empobrecimento das classes médias. "Neste ritmo, se produzirá uma recessão generalizada", afirmou ao jornal, em entrevista publicada neste domingo pela edição impressa e concedida em Brasília às vésperas da 22.ª Cúpula Ibero-Americana, que ocorre em Cádiz, sul da Espanha, e da qual Dilma participa.
"Nós já vivemos isso. O Fundo Monetário Internacional (FMI) impôs um processo que chamaram de ajuste, agora dizem austeridade. Tínhamos de cortar todos os gastos. Asseguravam que assim chegaríamos a um alto grau de eficiência. Esse modelo levou a uma quebra de quase toda a América Latina nos anos 80", disse a presidente. "As políticas de ajuste por si só não resolvem nada se não há investimento, estímulos ao crescimento. E se todo o mundo restringe gastos de uma vez, o investimento não chegará."
AFP
Presidenta Dilma Rousseff criticou medidas europeias durante a Cúpula Ibero-americana
Neste sábado (17), em discurso durante a Cúpula Ibero-Americana, Dilma criticou a política de austeridade em curso na Europa e enfatizou o "risco de agravamento" da recessão. Na ocasião, a presidente já havia evocado a influência do FMI na economia brasileira nos anos 80.
Na entrevista publicada pelo El País, Dilma disse já ter feito as mesmas críticas nas reuniões do G-20. "A Europa passa por algo que conhecemos na América Latina. Há uma crise fiscal, uma crise de competitividade e uma crise bancária", afirmou.
De acordo com a presidente, as medidas que estão sendo aplicadas levarão a uma "crise brutal". "Claro que você precisa pagar as dívidas, a consolidação fiscal é necessária, mas é preciso tempo para que os países o façam em condições sociais menos graves. Não só por uma questão ética, como também por exigências propriamente econômicas", afirmou. Ela reiterou posteriormente que distribuir renda é uma exigência moral, mas também é uma premissa para o crescimento.
De acordo com a presidente, a recessão europeia está "alargando os prazos" para uma maior recuperação das economias que não têm problemas fiscais nem financeiros, estão em crescimento positivo e praticam políticas anticíclicas, como o Brasil. "Estamos fazendo de tudo para impulsionar de novo nosso crescimento", disse. "Reduzimos os custos de capital, os de trabalho também, e baixamos muitos impostos para impulsionar o consumo."
Sobre a situação brasileira, a presidente comentou que o tripé macroeconômico que tem sustentado a ação do governo é composto por contas públicas austeras, inflação controlada e acumulação de reservas cambiais para proteger a moeda de especulação. "Mas, ao mesmo tempo, nos pusemos a construir um mercado interno, sobretudo combatendo o déficit habitacional", afirmou.
Dilma comentou que o euro "é um projeto inacabado" e que a Europa precisa "completá-lo", mediante supervisão e união bancária. "A moeda única europeia é uma das maiores conquistas da humanidade, precisamente de um continente tão castigado por guerras e disputas internas. Trata-se de um fenômeno econômico, social, cultural e político que significa um avanço formidável, mas está incompleto", disse a presidente, ressaltando a importância de se ter uma liderança para construir os consensos. Com relação à China, Dilma afirmou na entrevista que o melhor que o país asiático sabe fazer é "definir suas metas".
De acordo com a agenda oficial da Presidência da República, Dilma passa este domingo em Madri sem compromissos oficiais e na segunda-feira (19) pela manhã se encontra com o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, para discutir uma possível flexibilização da imigração entre os dois países.

sábado, 17 de novembro de 2012

Cúpula Ibero-Americana começa com crítica à austeridade

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A CÁDIZ, Espanha


A 22ª Cúpula Ibero-Americana começou ontem com uma crítica à austeridade que caracteriza a política dos dois membros europeus da comunidade (Portugal e Espanha).
"A inevitável austeridade, se estendida no tempo, retarda a recuperação [da economia]", disse Enrique Iglesias, o secretário-geral iberoamericano, com a autoridade de quem tem um enorme percurso na burocracia internacional, com passagens pela Comissão Econômica para a América Latina e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Iglesias lembrou que extraíra essa conclusão da "vivência latino-americana", região que teve sua imensa cota de crises e de receitas de austeridade recomendadas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional).
O presidente equatoriano Rafael Correa, aliás, aproveitou entrevista à TV espanhola para dizer que tudo o que a Espanha deveria fazer para sair da crise é "definitivamente não seguir as receitas do FMI".
Iglesias discursou na cerimônia de abertura ao lado do presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, e do rei Juan Carlos, que evitaram menções mais precisas à crise econômica.
O rei nem tocou no assunto, enquanto Rajoy arriscou-se a dizer que "a Espanha de 2012, com suas dificuldades e problemas, é uma nação sólida". Não deixa de ser verdade, mas não é a percepção dos parceiros latino-americanos, todos ansiosos para falar da crise.
O documento final, a ser divulgado hoje, obrigatoriamente consensual, apenas tangencia o assunto.
Sugere promover "políticas contra-cíclicas que permitam manter e incrementar os níveis de atividade econômica e de trabalho decente".
Traduzindo: quando o ciclo econômico é de contração, como está ocorrendo na Europa, deve-se adotar medidas de estímulo ao crescimento, uma tese que a presidente Dilma Rousseff defende junto aos parceiros europeus desde que tomou posse.
Mas o parágrafo ressalva que políticas contra-cíclicas devem ser adotadas "em função dos recursos fiscais disponíveis".
Como os países europeus que mergulharam na austeridade não têm recursos fiscais disponíveis, a recomendação torna-se puramente acadêmica.
De todo modo, o comunicado inclui um segundo item caro a Dilma, a crítica ao chamado "quantitative easing", a política norte-americana de injetar dinheiro diretamente na veia da economia, para reanimá-la.
O texto "rechaça as políticas cambiais que possam ter potenciais efeitos negativos sobre o comércio internacional, assim como administrar com maior rigor o ingresso de fluxos de capitais para evitar a sobrevalorização das moedas locais".